quinta-feira, 30 de junho de 2016


Claro, meu bem,
Que o poema
É pessoal.
Não sou bárbaro.
Não uso de violência física
(Ainda que quebrem meu nariz)
Escolho a artimanha
E a antipatia das
Palavras.

E pouco a pouco, a cada foto,
Tu vais te apaixonando, mulher,
Sem saber mais onde esconder
Tanto ódio
De ti própria
Por amar um louco.
E o poeta, velhinho,
Aproveita-se do passado.
Encosta-se no muro da esquina
E trafica poemas e balas soft.
Que pena você não ter visto minha caveira.
Passou o tempo do meu velório, do corpo
Exposto, do sepultamento.
Quando você me vir novamente
Estarei ao lado direito
De outro
Amor.
Por vezes,
Meu poema
É tão mentiroso
Que a poesia foge.
Vai à varanda
Vomitar nas
Plantinhas.
Ganhei de presente
Há três ou cinco
Minutinhos
Uma rosa
Branca.
Ajoelhei-me
Na sala e fiz
Minha prece.
Não cai pedaço
De quem ama.

Tenho um dente no ponto
Para ser arrancado. Não
Permito. Só se a doutora
Usar a linha dos seus cílios.
Os caras do edifício de frente da minha janela
Chegam ao fim os oito andares já levantados.
Creio que só falta o acabamento: sentirei 
Saudade dos gritos, da balbúrdia e do
Repentino silêncio.
Aprendi com os caras
A assobiar e conquistar
As domésticas e patroas.
Ninguém é mais valente
De pinga e de mulheres
Que os caras de construção.
Nada a ver, depois se erguido o prédio,
Olhar pra cima, querer entrar, admirado.
Tolice. Os caras
Correm atrás de
Outra construção.
Têm mulher (mulheres)
E pivetes pra sustentar.
Pequena, oferecer-lhe flores
E desejar-lhe um bom dia
Ou uma noite agradável
Não é sinal de início
De flerte.
Se, no entanto, além das flores,
Enviasse brincos de penas de uirapuru,
Colar de pérolas selvagens, pulseirinhas
De búzios, chocolates, um livro, um poema:
Isso, sim, seria
O princípio da
Minha queda.

Sabemos que um anjo torto
Anda meio trêmulo de amores.

O colete de pele de urso
Marcado a facas e tiros
Joguei ao velho quarto 
Dos fundos.
Caminho agora de peito aberto
Com a minha camisa branca
De mangas longas.
Meu único pavor
São os pombos
E suas melecas.
Os sacaninhas
Ainda não engoliram
A minha recente paixão.

Nem se esqueceram
Da tragédia do meu
Primeiro amor.
Perguntei-lhe, desesperado,
Se podia comer mais doce.
E ela sorrindo, de óculos,
Pediu-me que olhasse
O seu dedinho.
Coisa
Que o fiz
Imediatamente.
Lá estava aquele dedinho do meio
Lindo, mágico, balançando qual
Um pêndulo dizendo que não.
Adoro cheirar as mãos
Após escrever um poema.
Como dizia Picasso,
Um cheirinho delirante
Debaixo do braço
De uma mulher.
Guardei
Com esmero
Um sapinho debaixo
Da minha língua pro cê.
Comovente, meu amor,
Saber que dividimos
O mundo
O dia inteiro sem
Escovar os dentes.

quarta-feira, 29 de junho de 2016


A escova que você passa
Em suas pernas e braços
(E noutros sutis espaços)
Colorindo de bronze-ouro
Esqueci de lhe dizer, baby,
Que um dia desse escovei
Os meus dentes de Sátiro.
Além de míope,
Já quase cego,
Estou a ficar
Surdo.
Os passarinhos
Que chegam à
Minha janela
Não cantam
Mais blues.
Gritam
Trechos
De ópera.
Nunca consegui
Aprender um idioma.
O meu ouvido é péssimo.
Contudo,
Fiz muitos amigos
Na aldeia de Dostoiévski.
Tuas estrias formam um mapa misterioso
Que indica às minhas mãos o teu reino
De vegetação ora densa, ora rasteira
Sempre, porém, oxigenada.
Nunca passei
Sede por lá.
Dois limões
Sobre a mesa
Não faço limonada
Nem espremo dentro
Dos olhos da minha vó
Pra curar a sua catarata.
Mas escrevo
Um poema.
Uma amiga minha
Ligou-me da Cochinchina
Pra alertar-me de que relacionamento aberto
É só mais um eufemismo. um covil, pra quem é galinha.
Sorri e com a voz doce de um monge (ou sátiro) acrescentei:
"Verdade, meu doce, e não nos esqueçamos que os galinhas
Vivem pedindo socorro e sonham com um majestoso casamento."
A minha amiga sorriu deliciosamente
E disse que ao chegar de viagem
Trará pra mim uma estatueta
De um Deus tântrico.
Sorrimos nós dois ao mesmo tempo
Muito mais deliciosamente e desligamos.
Ficou um clima bacana de amizade fértil: Será
Que minha amiga gostaria de ter um filho comigo?
O Apanhador No Campo De Centeio,
Acordei com saudades desse livro:
Páginas amareladas, manchadas
De café, óleo e vinho.
E troquei por tão pouco
Essa obra-prima: um
Cigarro.
Desses que, às vezes,
Pica-Pau fuma escondido.
Os meus primeiros relacionamentos
Sempre foram fechados e exclusivos.
Sobretudo com a minha xícara que tinha
Um ciúme incrível do meu sinal acima do lábio.
Quanto às formiguinhas do açucareiro,
Eu vivia traído e feito de bobo pela cafeteira.
Senhoras e Senhores,
Eu vi um tubarão debaixo
Da minha cama: Que susto,
Era apenas a boia do meu filho.
E a bicicleta azul
Qual o paradeiro?
Ainda presa às rodinhas?
A verdade mais segura que a própria morte
É que não partirei antes da hora: nenhum
Bandido ou amigo de infância terá
A liberdade de levantar-me
Da cama depois
Do almoço
E jogar-me
Ao sol quente.
Se uma palavra
Ou uma flor de cerejeira
Não caem sem a permissão
Do deus que creio, por que pavor?
O meu deus
Pode não ser
Uma brastemp
Mas é somente
Meu e só um: não
Divido minhas dúvidas.
Fazia tempo
Que ninguém
Quebrava-me
O nariz. A vez
Que me lembro
Tinha doze anos.
Tentei ameaçar
Um garoto tímido
Da roça e só levei
Um direto na fuça.
Meses atrás,
Um louco de ciúme
Da sua suposta amada
Soube usar bem o cotovelo.
Meu rosto sujo
De sangue
E sorri:
"O meu sangue
É um sangue
Gostoso."
Passei
A língua
Nos lábios.
De todos os ofícios,
Nunca esqueci jardinagem:
Sabia como plantar a solidão
Em um botão de girassol na hora
Em que o sol se punha atrás do muro
Do cemitério. Uma cruz fazia-se sombra.
Não costumo
Ler cartas
Antigas.
Só cheiro.
E passo noites
Cheirando teu
Eau de L'arc.
Você disse e declamou
Coisas tão lindas que
Poupo sua carne.
Mas nunca afirme
E zombe que tem
Uma tese sobre
Deus.
Por muito menos,
Vi um marsupial
Perder o saco
Em segundos.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Perder um dedo não é fácil.
Já perdi três e ficaram os anéis.
Imagino perder o coração. Perdi
Um e ficaram os sonhos. Sacou?
O teu olhar triste
É de uma sensualidade
Que eu nunca vi em vida.
Só morto,
Segunda metade
Do século dezenove.
As espinhas
Não entristecem
O meu filho, diferentemente
Do pai que na adolescência vivia
Atormentado da vergonha do rosto.
Um dia,
Acordou
D. Quixote.

A estranheza
Diante do que
Espanta-nos
É um belo
Motivo
Pra amar
O que é
Diferente.

Suor de poeta trabalhando
É meio perigoso, admitamos.
Os passarinhos
E as formiguinhas
Não ousam um passo
Além dos chinelos emborcados.
Deixa assim mesmo,
Não sou supersticioso.
(Não quando
Tu estás ao lado)

As espinhas
Não entristecem
O meu filho, diferentemente
Do pai que na adolescência vivia
Atormentado da vergonha do rosto.
Um dia,
Acordou
D. Quixote.

Viste as fotos
Que te enviei?
Pra que saibas
Do tempo em que era
Pateta, cabelos, óculos,
Metido a conquistador, feliz.
Graças ao meu bom deus passou.
Agora sou magro, distante e parei
De beber, pegar ópio, comprimidos.
Pelo menos,
Parei até
Hoje.
Não percebeste
A energia que
Escrevo?
Não escrevo
Drogado,
Baby.
Louco,
Apenas
Declamo.
Desci uma montanha de neve
Pra beber o caldo quente
De tuas flores:
Não digo mais nada
Sobre o encantamento.

A poesia curou-me
De vitiligo: de tanto
Escrever versinhos
Adquiri potes
E mais potes de melanina
Dos meus queridos fantasmas.
O meu corpo
Não lutará
Contra
Morte.
Como
Não luta
Contra vida.
O meu corpo
É só um lápis
Que cai da mesa.
Ao me visitar
E me olhar ligado
A aparelhos, beije
O cilindro de oxigênio.
Deixe a marca
Do seu batom
No metal
Frio.
E roube
As flores.

Tu lês tudo, tudo, tudo,
Tudo, tudo, tudo que escrevo.
E te sou tão grato por leres em segredo.
Afinal, escrevo as minhas coisinhas
Pra ti e pra todas as andorinhas
Da minha calçada que roem
Os oitis e jogam na janela
Só pra me chamar
Atenção.
E isso
Não é lindo?
Quando escrevemos um poema bacana,
Um poema bacana, um poema bacana,
Os nossos recentes erros e loucuras
Dissolvem-se no antigo ópio
Dos sonhos.
Nem lembramos
Das últimas
Vítimas.
E os nossos corações
São gracejos de elefantes.
Tu pensas
Que não
Sei
Sobre
Política?
Ledo engano, meu doce.
A minha tese em Oxford
Tratou "Do desengano
E fúria dos leigos
Sectários da
Alienação
Aflitiva."
Entendeste?
O Reino Unido
Já não é o mesmo.
Nunca foi, meu doce.
Simples
Assim.
Mas vamos ao encantamento,
Ontem à noite, na área de serviço,
Enquanto lavava o meu bermudão,
Uma esperança (aquele bichinho verde)
Pousou no meu ombro e em seguida bateram
À porta: era meu filho com sua mochila nas costas.
"Férias, pai,
Férias!"

Nem me venha
Com a sua língua
De cobra que faço

Um lindo laço e enfeito
Seu penteado de Medusa.

Se o meu pai
Tivesse sido
Marceneiro
Teria realizado meu sonho
De um cavalinho de pau
Em forma de cadeira.
Mas meu pai construía túmulos
E, por vezes, dava um jeito
Nos anjos tortos dos
Jazigos.
Antes que eu tenha cálculo renal
Entupimento das artérias
Acidente vascular
Cerebral,
Escrevo versos
De manicômio.
Da janela,
Vejo que os pombos
Agora respeitam minha falta de juízo.
Não ousam flertar
Com as plantinhas
Da minha varanda.

Uma trupe de hienas
Expulsa leões e rouba
A carne. Deus, livrai-me.
Quero ser bonzinho
Nesta linda manhã
De terça.
Não mentir,
Não ser irônico,
Ajudar os vizinhos,
Escovar meus dentes.
Beber o meu café
Contemplando
As árvores
De oiti.
Se um anjinho
E um diabinho
Vierem me pedir
Pra escrever coisas,
Serei duro,
Cruel, enérgico
E me esconderei
Debaixo da cama.

Nunca cuidei dos meus amigos imaginários.
Certa noite, deram no pé e só me deixaram
Um bilhete: "Caro menino, não suportamos
A sua falta de sensibilidade diante da nossa
Tristeza. Adeus." Nas costas do bilhete, deu
Pra escrever um poema que havia sonhado.

Temo os puros, justos e felizes.
Não é bem temer, mas fujo.
Conheço esse tipo.
Prefiro confabular
Com os loucos
A respeito
Do fim
Do mundo.
As criaturas
De primeira
Grandeza
Não me
Ouvem.
De tanta pureza
E de tanta justiça
E de tanta felicidade
Também fogem da poesia.
E nós sabemos
Que fugir da poesia
É quase como enforcar Deus.
Ou qualquer força que o valha.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Na infância,
Os meus fantasmas
Vinham dos sonhos
E tentavam me sufocar
Enquanto inventava
Que dormia.
Na juventude,
Saíam dos livros
E rezavam contos
Aos meus ouvidos.
Não cresci,
A minha cabeça
Permanece vazia,
Mas o coração aberto
Não teme as palavras.
Perdi a confiança em meus juramentos.
E a poesia deu-me uma mãozinha.
Sou bem mais limpo
Com as pontas dos dedos
Sujas de carvão: nos muros
E nas calçadas escrevo que te amo.

Não darei testemunho sobre o meu inferno:
Cada palhaço de circo reconheça a tolice
Em colocar a cabeça dentro da boca
Do leão, se o domador é inimigo.
Espadas são boas
Quando atravessam
O peito do malandro.
Nós sabemos
Quando dou
Um golpe.
E o que escrevo
Não é um poema.
Não se enraiveça, minha baby.
Não me veja um falastrão de primeira.
Esses poemas mancos
[Que não são lá uma fortuna]
Necessários pra que caminhos firmes
Ergam-se sobre as minhas mãos loucas.
São Francisco de Assis
Nem sempre adorava
Passarinhos pulando
Nos seus ombros.
E Baudelaire
Quando cozinhava
Um ovo na sua chaleira de fuligem
Às vezes, imaginava mesmo que fosse santo.